segunda-feira, 19 de maio de 2008

O primeiro...


Não consigo dormir... este tema me persegue, justamente por ser o que mais me acompanha... insônia realmente é um troço muito chato!!! Minha cabeça está borbulhando de idéias. Idéias para um espetáculo com alguns amigos, idéia para um monólogo, para um livro, para um esboço de alguma coisa... idéias, idéias, putz... na verdade desde ontem estou com uma lembrança martelando meu cérebro, surgiu de uma pergunta quase sem pensar de uma amiga:
- Cris, você se recorda do seu primeiro beijo?
- ...
Estranha pergunta que me fez voltar ao passado. Estranha pergunta que me trouxe á lembrança um menino, menino não! Um adolescente de 14 anos, com dentes perfeitos (afinal tinha acabado de tirar o aparelho dos dentes)... eu me lembro na verdade do cheiro da sua boca. Tenho uma obsessão por cheiros, desde sempre... sinto cheiro de coisas inimagináveis: cheiro da pele de todos que já cruzaram meu caminho, cheiro de hálito, de roupa, de cabelo, de mãos, de sexo... isso sem falar nos aromas da natureza. Ah, cheiro de mato, de café, de terra molhada, de chuva (adoro), de maresia, de flor e... de pôr-do-sol, é verdade quem não acreditar que vá ler novamente o Pequeno Príncipe... e não espere que esteja escrito lá que ele sente cheiro de pôr-do-sol! Mas voltarei a pergunta que me trouxe de novamente a um passado quase esquecido... você se recorda do seu primeiro beijo? Fiquei congelada, inerte, estava preparando uma comida, domingo, dia de se alimentar, de preparar algo saudável, de cuidar do corpo, cortar e pintar as unhas, fazer as pernas... desperto do meu congelamento com um prato que cai no chão, não quebrou, às vezes esses pequenos objetos são mais fortes que nós... mesmo sendo de vidro, mesmo que pareçam frágeis...
- com licença, preciso ir até o quarto...
- você está bem?
- Sim, sim...
- Está pálida, está sentindo...
- Um instante...
O nosso cérebro nos prega cada peça estranha... eu estou tonta, meu coração está descompassado, acho que vou desmaiar, preciso de sal pois minha pressão não está bem, necessito mesmo é de um punhado de açúcar por que acho que é hipoglicemia... não, é taquicardia, vou me deitar um pouco, só um pouquinho, o suficiente para esquecer que estou estranha, o suficiente para voltar ao passado...

Estou com os olhos fechado embaixo da escada de uma vizinha, meu coração parece um tambor, tenho medo mas quero está ali, tenho um tanto de vergonha, mas quero estar ali! Tenho receio mas... ele aparece, me olha nos olhos diz para ficar calma. Eu tento sorrir mas não consigo, ele me abraça e sinto mais vergonha ainda porque ele percebeu que meu coração bate forte.
- Não fique com medo... se você der um daquele seu sorriso tudo vai passar, experimenta... sorri, você ri tão lindo. Quer que eu vá embora?
- Não!!! Quero que fique.
- Então é preciso que você sorria...
Ele era um rapazinho que parecia um anjo. Juro!!! Tinha um jeito que era muito lindo, próprio. Era isso que nos seduzia, não tinha ninguém igual lá na rua, os outros meninos não entendiam o que era aquele domínio que ele exercia sobre todas nós... todas sem exceção. Uma por uma já tinha vivido aquele momento... mas agora era o meu, eu tinha esperado ansiosa por ele... contado cada dia. E como tinha demorado de chegar! Por isso mesmo eu não queria que ele se fosse, era o meu, meu primeiro beijo! Por alguns instantes olhei para seus cabelos loiros queimados pelo sol, sua pele brilhante, seus olhos expressivos... gelei. Como ele podia ser tão bonito? Como? Aquilo não podia ter explicação... era uma obra de arte, era um sonho... estava com olhos fechado e senti seus lábios se encostarem aos meus e pensei: que cheiro bom... de orvalho, de pôr-de-sol...
Eu sai caminhando devagar, as luzes todas se acendiam, porque já era fim de tarde, coincidência, que linda coincidência... o sol tinha ido deitar-se, as luzes acendiam e eu estava cheirando a pôr-do-sol, meu coração estava calmo, eu estava calma... Sentia-me uma mulher, eu era agora uma mulher! E estava feliz, muito feliz...

Eu não o vi nunca mais depois daquele dia... tentei consolar-me com um poema de Florbela Espanca, naufraguei em seus poemas desesperadamente, sem entender porque passamos por tantas coisas na vida, porque nascemos e porque morremos... eu virei para mim mesma a “Princesa Desalento” fico tonta pois ainda me recordo de cada verso que recitava baixinho como consolo: “Minh'alma é a Princesa Desalento, Como um Poeta lhe chamou, um dia. É magoada, e pálida, e sombria, Como soluços trágicos do vento! É frágil como o sonho dum momento; Soturna como preces de agonia, Vive do riso duma boca fria: Minh'alma é a Princesa Desalento... Altas horas da noite ela vagueia... E ao luar suavíssimo, que anseia, Põe-se a falar de tanta coisa morta! O luar ouve minh'alma, ajoelhado, E vai traçar, fantástico e gelado, A sombra duma cruz à tua porta...”

Eu não o vi nunca mais depois daquele dia pois meu anjo surfista foi engolido pelas águas do mar uma semana depois, Yemanjá levou-o para junto dela... devia estar enciumada com tantos namoricos e beijos... com tantas pequenas sereias atrás do seu príncipe... mas eu ainda acho que ele foge às vezes quando a rainha do mar está dormindo e faz com que outras sereias fiquem inebriadas e se transformem em mulheres depois de sentirem seu cheiro, seu cheiro doce.

(Imagem: Camille Claudel, "O Abandono", 1905)

2 comentários:

Ramon de Alencar disse...

...
-Continues... e ah... um livro isso daria...

FM disse...

Obrigado pela Visita ao "Talvez"... Proponho-te que visites o "Essências".
Sê Feliz!