sexta-feira, 16 de dezembro de 2011





Esperança
Depois de anos retorno ao Blog.
Com uma indagação:
O amor pode crescer dentro de uma redoma?
Embora saiba que além dos sentimentos existem as perdições e más interpretações das palavras. As palavras possuem sentidos variados, amplos, e também errôneos ou equivocados. O amor pode não conseguir nascer com dois seres presos numa redoma, mas a paixão pode explodir sim!
Recordo do Pequeno Príncipe, aquele ser sensível teve que sair pelo mundo fugindo de uma rosa que toda noite dengosa precisava dormir dentro de uma redoma, por cauda do vento, por causa dos bichos, por causa dos seus medos...
Mas o Pequeno também tinha medos: como uma rosa poderia dominar um coração que já havia se acostumado a viver solitário? Apenas reflexivos nos momentos de tristeza, sendo acolhido pelos pores-do-sol?
Não sei o que me abala, meu príncipe está preso na redoma e eu saí pelo mundo para perceber que existem outras rosas (ou seriam lírios?). Tenho visto muita gente... Escutado muitas coisas, andado na areia da praia, mas uma raposa me contou “que foi o tempo que eu perdi com meu lírio que fez meu lírio tão importante...
Eu tenho um coração que está dentro de uma ervilha...
Eu tenho borboletas batendo suas asas dentro do meu estômago...
Eu tenho me esforçado para seguir vivendo e esperando para cumprir seis desejos independentes das expectativas...
Eu tenho uma alma de passarinho...
Eu sou chamada por um lírio que eu adoro de moça-do-encanto-verde...
E quanto ele me chama de moça-do-encanto-verde eu me sinto muito forte e me sinto uma esperança... quando eu era pequena toda vez que uma esperança aparecia eu sabia que uma coisa muito boa ia acontecer... felicidade!!!
Dé: ter esperança é ter felicidade?


Uma Esperança
Clarice Linspector

Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
- Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.
- Ela quase não tem corpo, queixei-me.
- Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.
- Ela é burrinha, comentou o menino.
- Sei disso, respondi um pouco trágica.
- Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
- Sei, é assim mesmo.
- Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
- Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
- Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar - estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia "a" aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
- É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
- Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
- Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros - falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: "e essa agora? que devo fazer?" Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.